TEXTO DE REFERÊNCIA

Museus e Mudanças Climáticas 

A crise climática[1] deixou de ser uma ameaça futura para se tornar uma realidade, que redefine paisagens, culturas e modos de vida em todo o planeta. Seus efeitos são sentidos de forma desigual, revelando vulnerabilidades históricas e reforçando a urgência de ações coletivas. Neste contexto, os museus[2], vistos como espaços de preservação do passado, significação do presente e projeção do futuro surgem como atores importantes no enfrentamento dessas transformações. A 19ª Primavera dos Museus nos convida, portanto, a refletir sobre como essas instituições podem documentar, pesquisar, educar e intervir nas práticas relacionadas aos impactos ambientais, evidenciando suas conexões com a memória, a justiça e a criatividade humana.

As mudanças climáticas não atingem a todos igualmente. O racismo ambiental[3] – a sobrecarga de impactos ambientais sobre populações marginalizadas – é um fenômeno global que se repete em cidades litorâneas ameaçadas pela elevação dos mares, em comunidades rurais afetadas por desertificação ou em territórios indígenas invadidos por extrativistas. De acordo com o Dossiê de 2023 da Fundação Roxa Luxemburgo, 100% dos grandes empreendimentos e desastres ambientais no Brasil, desde rompimento de barragem a desmatamento, ocorre em territórios majoritariamente habitados por populações negras, indígenas e/ou periféricas. Os museus, ao contarem essas histórias, podem desafiar narrativas hegemônicas que invisibilizam tais injustiças.

As enchentes que castigam todo o território brasileiro revelam a complexa geografia da crise climática no país. As ocorridas em 2024 no território gaúcho foram o maior desastre natural da história do Rio Grande do Sul, com chuvas com duração, intensidade e abrangência territorial jamais observadas no Brasil. Já o Nordeste sofre com a combinação catastrófica de secas e chuvas intensas. Na Amazônia, as cheias extremas deslocam famílias e alteraram ecossistemas inteiros. Simultaneamente, cidades do Sudeste enfrentam deslizamentos cada vez mais frequentes, onde a força das águas encontra solos desprotegidos pela ausência de políticas ambientais consistentes. Essa realidade multifacetada nos mostra que as enchentes transbordam no Brasil histórias de desigualdade, resiliência e urgência por transformações estruturais.

A desertificação[4], por sua vez, avança pouco a pouco, transformando terras férteis em áreas áridas e improdutivas, com impactos devastadores para comunidades rurais, biodiversidade e segurança alimentar. No Brasil, o fenômeno atinge especialmente o semiárido nordestino e partes do cerrado, onde a combinação de desmatamento, manejo inadequado do solo e mudanças climáticas acelera a degradação.

As queimadas no Brasil representam uma grave questão da crise climática, em que incêndios intencionais para agropecuária degradam biomas como Amazônia, Cerrado e Pantanal, destroem a vegetação que regula o clima, alteram padrões de chuva e tornam a vegetação mais vulnerável para outros futuros incêndios. Esse processo impacta especialmente comunidades tradicionais e indígenas, cujos conhecimentos sobre manejo sustentável poderiam ajudar a quebrar esse ciclo, exigindo urgentemente novos modelos de desenvolvimento que valorizem a floresta em pé e respeitem os limites ecológicos do território brasileiro.

Tornar os museus relevantes nesse debate, significa também olhar para dentro. Suas próprias estruturas e processos de trabalho – desde o consumo de energia até as parcerias com patrocinadores – podem ser alinhadas aos princípios que defendem, como o tratamento de resíduos, a transição energética, a incorporação de materiais de baixo impacto em suas reservas técnicas ou a colaboração de comunidades, que registrem mudanças em tempo real. 

Os museus preservam em seus acervos importantes registros históricos da relação entre sociedades e natureza, desde representações artísticas de ecossistemas desaparecidos até objetos que narram o deslocamento de comunidades por fenômenos climáticos extremos. Esses acervos documentam a capacidade de adaptação e vulnerabilidade humana frente às mudanças ambientais, como também possuem o potencial de assumir um papel transformador, estimulando um debate profundo e propositivo sobre os desafios climáticos contemporâneos.

A COP30 (Conferência das Partes/Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) — um evento anual que reúne líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil para discutir e definir estratégias globais de combate às mudanças climáticas — que será realizada em Belém em 2025, representa um momento histórico para o Brasil e particularmente para os museus brasileiros. Como palco deste importante encontro global, o país terá a oportunidade de mostrar ao mundo seus desafios ambientais, suas soluções, tecnologias e saberes tradicionais no enfrentamento das mudanças climáticas. Neste contexto, os museus assumem uma posição estratégica singular: são as instituições capazes de traduzir para o público global a complexa relação entre cultura, história e meio ambiente.

A 19ª Primavera dos Museus, portanto, é uma oportunidade para reposicionar essas instituições como “patrimônio estratégico para a ação climática“. Ao assumirem um papel ativo na promoção de justiça socioambiental, os museus reafirmam sua relevância como espaços vivos, críticos e necessários – capazes de sensibilizar, mobilizar e colaborar com a sociedade na construção de respostas aos desafios urgentes do presente e do futuro.

Instituto Brasileiro de Museus – Ibram


[1] A crise climática refere-se ao agravamento das mudanças climáticas, impulsionado principalmente pelo aumento do efeito estufa e do aquecimento global devido às atividades humanas. Este termo enfatiza a urgência e a necessidade de ações para mitigar os impactos negativos no planeta.

[2] Museus – Museus físicos ou virtuais, memoriais, salas de cultura, comunidades quilombolas, podcasts/videocasts, pontos culturais, centros culturais, parques históricos, redes de educadores, sistemas de museus, escolas técnicas, institutos históricos, cemitérios, pinacotecas, ateliês, laboratórios de documentação ou de artes e diversas associações culturais. Como pessoas físicas, podem se cadastrar mestres de saberes, professores, alunos, mestrandos, doutorandos do curso de museologia e outras áreas de formação correlatas.

[3] O racismo ambiental refere-se à discriminação e injustiça social que afeta principalmente populações vulneráveis, como comunidades negras, indígenas e de baixa renda, devido à degradação ambiental e às mudanças climáticas. Essas comunidades frequentemente sofrem mais com desastres naturais, poluição e falta de acesso a recursos essenciais, enquanto populações mais privilegiadas desfrutam de maior proteção ambiental e melhores condições de vida.

[4]A desertificação é um processo de degradação do solo que transforma terras férteis em áreas áridas e desérticas, ocorrendo principalmente em zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas. É importante distinguir desertificação de desertização, sendo a desertificação um fenômeno que pode ser causado por atividades humanas e mudanças climáticas, enquanto a desertização é um processo natural de formação de desertos.

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