19ª Primavera dos museus IDENTIDADE VISUAL

O desenvolvimento da identidade visual da 19ª Primavera dos Museus se iniciou com um processo de escuta das áreas do Ibram correlatas às questões do tema: MUSEUS E MUDANÇAS CLIMÁTICAS. A partir desses encontros, percebemos que a palavra dualidade se fez muito significativa, o que se traduziu em um conceito da visão de extremos.

Assim, de um lado, para a concretização de um conceito, pode ser visualizado o planeta Terra, berço da vida, generosa, fértil e repleta de saberes ancestrais que nos lembram da importância da regeneração, das raízes profundas e da nutrição do solo e das culturas que dele brotam. As palavras: regeneração, ancestralidade, raízes, nutrição e recomeço compuseram essa inspiração. É o planeta que resiste, que se reinventa e nos convida ao recomeço, carregando em sua essência a força das comunidades que honram o equilíbrio com a natureza.

Do outro lado, contrastando essa perspectiva, também pode ser visualizada uma terra completamente seca, sem vida, rachada, desnutrida e sem raízes que se possam brotar. Ela simboliza o desequilíbrio provocado pela ação humana – uma fratura que nos torna cada vez mais vulneráveis. Esse contraste radical é um alerta: os museus, como guardiões da memória e agentes de transformação, podem amplificar vozes, preservar conhecimentos tradicionais e inspirar ações que revertam esse cenário. Dentro desse prisma, as palavras: fratura, ameaça, desequilíbrio, vulnerabilidade e estagnação completaram a lista desse quadro dos extremos.

Como inspiração há a obra da designer Lavínia Freire, onde se vê rabiscos como se fossem fungos ou raízes sobrepostas a frases que compõem um plano de fundo de uma textura visual.

A esfera, elemento central na obra Nuclear II (1946) de László Moholy-Nagy, reforça a ideia de tridimensionalidade e movimento, representando a Terra em sua complexidade – um organismo vivo, dinâmico, mas também frágil. Essa forma geométrica, ao mesmo tempo perfeita e suscetível a rupturas, enfrenta o contraste entre equilíbrio e desastre, entre o que preservamos e o que perdemos.

Por fim, a imagem do ovo – com sua gema irradiante e veios delicados revelados sob a luz – simboliza o potencial de vida e da vulnerabilidade. Essa referência dialoga diretamente, por exemplo, com o ovo dos vitrais da Catedral de Brasília, onde Marianne Peretti capturou a essência da luz como força criadora e transformadora. Assim como os vitrais filtram e modificam a percepção do ambiente, os museus podem ser lentes que reinterpretam nossa relação com o clima, destacando a beleza, a resistência e, sobretudo, a necessidade de ação. 

A paleta de cores foi pensada como um manifesto visual, reforçando o conceito de extremos e a urgência das mudanças climáticas. A ausência intencional do verde – cor tradicionalmente associada à natureza – é um gesto simbólico que evoca a perda das florestas, o avanço do desmatamento e o esgotamento dos biomas. Sua exclusão serve como um alerta.

Em contraponto, foram trabalhados gradientes de azul, do escuro ao claro, representando a dualidade dos oceanos e da atmosfera – desde as profundezas ameaçadas até a frágil transparência do céu. Esses tons, tão icônicos da imagem do planeta Terra, são tensionados entre dois polos, assim como nosso próprio clima, oscilando entre equilíbrio e colapso. 

No centro, um tom terroso remete ao solo, às raízes e à ancestralidade, mas também à aridez e à desertificação. À sua volta, os amarelos e vermelhos surgem como cores de alerta, emergência e calor extremo – quando mesclados, geram um laranja vibrante, uma chamada à ação. Essa combinação representa os perigos do aquecimento global e a energia necessária para transformação. Ao mesmo tempo, reflete a luz uterina e do ovo – espaços primordiais de vida e nutrição.

Cada tonalidade foi escolhida para provocar, inquietar e engajar. Se o verde falta, é porque ele precisa ser reconquistado – e os museus, como espaços de reflexão e mobilização, têm o poder de ajudar a reescrever essa narrativa. A arte, assim como o clima, não é estática: ela pulsa, adverte e, acima de tudo, exige resposta.

Da união de todos esses elementos e inspirações surge a identidade visual da 19ª Primavera dos Museus, uma arte que leva o público a sensações diferentes sobre o que se vê. É um convite à reflexão através da subjetividade. Cada elemento, desde as cores até as formas, foi cuidadosamente disposto para provocar sensações contraditórias: tensão e esperança, futuro e ancestralidade, ruptura e regeneração.

esfera central, pode ser lida como a Terra em sua dualidade – ora um núcleo vibrante de vida, ora um corpo rachado pela crise climática. Também se pode ver um ovo, onde a gema, núcleo central é vista com seus raios, veios ou veias onde pulsam sangue e, portanto, vida. Há quem veja, ainda, um olho mágico, daqueles presentes nas portas e que possibilitam ver além.

Compondo as cores do elemento central, estão cores vibrantes e alarmantes. A Terra, que é cem por cento azul é tomada por cores que revelam todo o aquecimento global, as queimadas, a elevação das temperaturas e todas as consequências da má ação humana na natureza. Ainda nesta parte as raízes nos levam a refletir sobre a ancestralidade de nossos povos, as rachaduras e desequilíbrios que provocamos e que é uma ameaça ao próprio futuro da vida.

paleta de cores ausente de verde e carregada de azuis contrastantes, terrosos e tons de alerta (amarelo, vermelho, laranja) chama a atenção e desafia a percepção. O espectador é levado a sentir a falta do verde, a estranheza de um mundo em degradação – e, assim, a compreender, de forma quase intuitiva, a mensagem por trás da arte: a responsabilidade é da humanidade.

Como plano de fundo foi usado como textura, frases famosas de ativistas ambientais brasileiros[1] que deram a vida pela causa ambiental, como uma forma de homenagem.

O evento acontece na Primavera, estação associada ao renascimento e à renovação, o que contrasta propositalmente com a ameaça das mudanças climáticas. Essa ironia sutil destaca a dualidade entre esperança e alerta.

A arte não entrega respostas, mas provoca perguntas. Ela permite que cada pessoa tenha perspectivas e sensações diferentes: uma paisagem em erosão, um mapa de calor, um ovo prestes a eclodir ou a se quebrar. Essa ambiguidade calculada é o que faz da arte um espelho do nosso tempo – um tempo de extremos, de escolhas e, acima de tudo, de ação.


[1] Chico Mendes (1944–1988)

“Se o último rio for envenenado, o último peixe morto, só então saberemos que não podemos comer dinheiro.” – Time Magazine, 19 de dezembro de 1988

“Preservar a floresta é garantir água, clima e vida para o mundo.” – Entrevista à TV Globo, 1987

“O clima global depende do que fazemos aqui, na Amazônia.” – Entrevista à BBC, 1988

“Destruir a floresta é sepultar a esperança do planeta.” – Jornal do Brasil, 1989

“Os seringueiros não querem terras; querem o futuro da floresta e, com ele, o futuro da humanidade.” – Documentário Chico Mendes: Crime contra a Amazônia, TV Globo, 1990

José Lutzenberger (1926–2002)

“Ecologia não é moda, é sobrevivência.” – ECO-92 (Rio-92), 5 de junho de 1992

“Sem floresta não há chuva; sem chuva não há vida.” – Folha de S.Paulo, 15 de março de 1990

“Nossa saúde depende da saúde do planeta.” – Revista Veja, 22 de setembro de 1990

“Proteger o solo é proteger o próprio futuro da humanidade.” – Palestra na Universidade de Brasília, 10 de outubro de 1988

“Não podemos invadir a natureza sem pagar o preço.” – Lutzenberger, J. A Saga da Terra, Editora Ática, 1988

Darcy Ribeiro (1922–1997)

“A destruição da floresta amazônica empobrece toda a humanidade.” – Ribeiro, D. O Povo Brasileiro, Companhia das Letras, 1995

“O homem moderno perdeu a percepção de que é parte da natureza, não seu senhor.” – Entrevista à Época, 1997

“Preservar a diversidade cultural é também manter a diversidade da vida no planeta.” – Discurso na UNESCO, 1990

“A crise ambiental é produto do expansionismo colonial e capitalista.” – Cadernos de Antropologia, vol. 12, 1986

“Respeitar as populações indígenas é respeitar o futuro da natureza.” – Conferência Mundial sobre Populações Indígenas, 1992

Maurício de Medeiros (1919–1992)

“O homem moderno colocou o progresso acima da vida.” – Revista O Cruzeiro, 1960

“A poluição urbana corrói a alma das cidades.” – Jornal do Brasil, 1958

“A qualidade de vida está ligada ao equilíbrio com a natureza.” – Folha de S.Paulo, 1962

“A infância merece crescer em ambientes limpos e verdes.” – Discurso na AACD, 1961

“Sem ar puro, não há saúde plena.” – Medeiros, M. Saúde e Sociedade, 1963

Dorothy Stang (1931–2005)

“A floresta clama por justiça e nós somos sua voz.” – Cáritas Brasileira, entrevista de 2004

“Cada muda plantada é esperança para o futuro do planeta.” – Documentário Planeta Vivo, 2005

“Ou defendemos a terra dos pequenos agricultores ou seremos tragados pela lógica do lucro.” – The Guardian, artigo de 2005

“A água da vida corre em nossas florestas e merece nosso cuidado.” – Entrevista à RTP, 2004

“Se a Amazônia cair, cairemos todos.” – Carta enviada à imprensa, 2005

Galdino Jesus dos Santos (1952–1997)

“A terra é sagrada, nela vive nossa história e nossa cultura.” – Folha de S.Paulo, 1996

“Sem floresta, não há aldeia, não há gente.” – Entrevista à TV Cultura, 1996

“O desmatamento é uma afronta aos direitos dos povos originários.” – Documento do CIMI, 1997

“Proteger o meio ambiente é garantir a sobrevivência cultural de nosso povo.” – Revista Índios e Sociedade, 1997

“Nossas raízes estão na floresta; arrancá-las é rasgar nossa alma.” – Carta aberta publicada no Jornal do Brasil, 1997

Bertha Maria Júlia Lutz (1894–1976)

“A proteção da fauna é tão essencial quanto a da flora para o equilíbrio da vida.” – Palestra no Museu Nacional, 12 de março de 1954

“Sem a participação ativa das mulheres, a causa ambiental perde metade de sua força.” – Artigo em Jornal do Brasil, 8 de maio de 1960

“Educar para a natureza é preparar as futuras gerações para respeitar o planeta.” – Congresso Nacional Feminino, 15 de agosto de 1970

“Defender os direitos das mulheres é também defender os direitos da Terra.” – Anais do Instituto das Mulheres, 1975

“A ciência e a sensibilidade feminina juntas podem salvar o meio ambiente.” – Revista Mulher & Vida, ed. 12, 1965

Bertha Becker (1930–2013)

“A Amazônia deve ser gerida como patrimônio da humanidade.” – Becker, B. Geografia Política da Amazônia, 1998

“O desenvolvimento sem sustentabilidade é um passo rumo ao colapso climático.” – Revista Cadernos Brasileiros de Geografia, vol. 14, 2002

“Políticas públicas precisam integrar meio ambiente e economia para evitar crises futuras.” – Discurso no Senado Federal, 22 de novembro de 2007

“A preservação dos biomas brasileiros é a maior contribuição nacional ao equilíbrio global do clima.” – Relatório sobre a Amazônia, Ministério do Meio Ambiente, 2005

“A ciência geográfica deve apontar caminhos para o uso responsável da terra e a conservação dos recursos.” – Palestra na USP, 4 de junho de 2010.

2 comentários

  1. BOM DIA,
    Gostei muito da Identidade Visual da 19ª Primavera de Museus, preciso urgente repassar aos meus colegas de trabalho do Museu Fortaleza de São Jose de Macapá – MFSJM. Nossos visitantes também merecerem conhecer como foi inspirado o tema e a composição visual desta primavera de Museus. Este excelente texto sobre a identidade visual da 19ª Primavera de Museus, vai ser compartilhado. Muito obrigada pela aula, muito grata e feliz. Ruth.

    • Ruth, ficamos felizes em saber que nosso compartilhamento de inspiração tem dado frutos. Muito obrigado por este lindo relato. Estamos super contentes!!!

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